Bálsamo Retinto

Aquilo que fomos um dia 
Passa pela minha cabeça
Como um filme visto inúmeras vezes
No entanto, dessa vez, há detalhes que não tinha visto,
Intenções que havia perdido
Um bálsamo retinto agora.

Aquela onda que irrompe na praia
São as minhas mãos ansiando pelas suas
Aquela brisa que sopra sua tez
É meu colo pedindo sua boca
Aquele frio que sentiu ontem na rede, depois do banho de mar
Foram meus olhos procurando sua alma
A saliva que molha seus lábios salgados
É a minha sagacidade despertada
A luz do sol que passeia por seu corpo
É a violação da minha zona de conforto

Na calada manhã
Corpos nus brincando, não absortos, despertos
Cujas intenções provocam a sinestesia mais deleitável

Doce lamento da alma que acabou de sair do sono da morte
Da mais mentirosa sensação de controle
Agora já foi
Atirei-me ao mar da volúpia
Estou anestesiada pela busca de axiomas que possam traduzir um continuum

Tento inutilmente retomar a razão perdida

Ah, quisera eu ser aquela borboleta
Por seus dedos impacientes tocada
E por meia hora observada, no tapete verde-natural

Fecho meus olhos:
Eles são pórticos
Para seu jardim em flor
Onde a borboleta flutua cativa num mar verde de amor.


Camila Oleski

Arrependimento

De onde à fronte bate o vento congelante
Vêm as vivências mal vividas
Do cerne da questão
Vem a desconhecida realidade,
A dolorosa verdade.
De onde veio o arrependimento de ontem
Surge o impiedoso amanhã
Nele, nada se resolve, nada se modifica
Preferia trocar o pesadelo sobre a morte do ente querido
Pelo sonho esclarecedor
Do sonho, surgem compreenções
E delas, o eterno inconformismo.


Camila Oleski

Cova Rasa

Os poemas que fiz para você acabaram.
Aquele antúrio que nascia morreu seco no solo infértil
O grito silencioso é rouco
E ninguém jamais poderá despertar com ele.
 Sobraram apenas as estrelas,
Aquelas que víamos em noite de lua nova.
As noites ruidosas por onde nossa felicidade desfilava
Estão descritas naquele poema de ontem:
A mais bela declaração de amor que fiz.
E o que me valeu?
Um pedaço de papel velho onde consta uma receita médica
Em cujo verso jazem palavras de amor...
Naquele telefonema, sem querer, você estava fazendo meu funeral.
Fui jogada numa cova rasa,
Sem velório.
Sem que houvesse alguém que chorasse por mim.

Camila Oleski

Da fidelidade.

"(...) a fidelidade é a primeira de todas as virtudes, (...) a fidelidade dá unidade às nossas vidas, que, sem ela, iria estilhaçar-se em mil impressões" (Milan Kundera - A insustentável leveza do ser).

Fiquei pensando sobre a importância de sermos fiéis a nós mesmos. É salutar que estejamos atentos ao que se passa dentro de nós (sentimentos, gostos, pensamentos), já que isso é o que vai nos guiar nas nossas relações com os outros: seremos mais verdadeiros nas relações se formos com nós mesmos. É interessante a colocação de Kundera quando diz que a infidelidade faz com que fiquemos estilhaçados. Claro! Se não olharmos e formos verdadeiros conosco ficamos divididos, estilhaçados, em pedaços e aí fica bem difícil e doloroso juntar tudo. Agora, quando olhamos para dentro e somos fiéis ao que sentimos diante da experiência, da vivência, da relação, então nos aproximamos mais da nossa unicidade, do nosso "ser uno". N
este livro fica clara a profunda violência sobre as mulheres e daí o sentimento de Tereza de autoincredulidade, de estilhaçamento de si mesma.. Mulheres que buscam ser o que são parecem ser vistas no livro (e na realidade) como libertinas e  esta ideologia machista com a qual Tereza foi criada a acompanha em todas as suas vivências no livro. Isso é posto como natural... 


Mas voltando à questão da autoaceitação e auto-fidelidade. Há muitas doenças psíquicas geradas a partir da nossa autoinfidelidade. A depressão por exemplo nada mais é do que odiarmos o que somos e o resultado disso é uma tristeza profunda. É muito difícil aceitarmos totalmente o que somos e sermos fiéis à esta autoaceitação, mas isso é buscar saúde mental.  Parece tudo isso uma atitude egoísta, mas mesmo o nosso egoísmo não pode ser ignorado. Ele precisa ser olhado e não negado por ser um sentimento socialmente inadequado. Se fizermos isso, corremos o risco de não mudarmos. Precisamos aceitar o que sentimos pra que haja mudança. Apesar de que o egoísmo faz parte de todos nós e  muitas vezes nos protege.... Além disso, uma coisa é sentir e olhar para isso e outra é aquilo que vamos fazer com aquele sentimento (ação). 


Camila Oleski

Felicidade

A felicidade encontro-a nas coisas simples da vida
No olhar da criança que, como borboleta, pousa onde acha 
guarida
A felicidade está no abraço que, quando ato, cura minha 
ferida
Está na dama-da-noite que exala seu cheiro adocicado e 
envolvente
Na minha menininha que sorri docemente
Quando ouço a sereinha cantando Alecrim
A felicidade parece mágica, 
Pó de pirlimpimpim.

Camila Oleski

Acontecivento

Na teia das relações, tecemos histórias.
No seio das histórias, brotam sentimentos.

Como deduzir um futuro com a exatidão de uma equação matemática?
Como concluir com a veracidade das fórmulas físicas um acontecimento?
Acontecivento...

O futuro, as relações, os sentimentos não podem ser calculados, medidos ou testados. 
Mesmo assim, entregamo-nos, jogamo-nos no abismo profundo da ilusão do acaso. 
Só isso.

O máximo que se tem é probabilidade. 
O provável já é suficiente para um suicídio. 
E, se tivermos certeza do fracasso (usando a ingênua e, por isso, pérfida, probabilidade das vivências humanas),
Aí vem o sentimento - esta enigmática, mas altamente mobilizadora ferramenta da fraqueza humana -,
 o coração

Se atira nos braços do destino e realiza tudo como se fosse a primeira vez,
Como se não houvesse passado, nem amanhã.

Somente presente....

Camila Oleski

Dispenso Monteiro Lobato

Acho que chocada é um eufemismo pra traduzir o que senti quando li "Negrinha" de Monteiro Lobato. É um conto insano que diz respeito ao tratamento dispensado por uma mulher abastada dado à criança negra num período "pós-escravidão", tratamento este camuflado de boa ação. Coloca-a como um objeto, um saco de pancadas, utiliza termos pejorativos e pesadíssimos para se referir à criança pra não dizer mais. Espero que a Unicamp, ao resgatar e solicitar um texto desse para o vestibular, não deixe passar despercebidas as questões do preconceito, direitos humanos etc. claramente presentes naquela aberração de texto, que incrivelmente já foi considerado em 2000 um dos melhores contos do século XX. 

"Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo: - Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!..."

"A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos - e daquelas ferozes, amigas de de ouvir cantar o bolo e estalar bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo - essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia!"

"O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta..."

Camila Oleski

Arco-Íris

Pensamos, logo existimos.
Sentimos, logo amamos.

Construímos nós dois como o autor que escreve o livro:
palavra por palavra, 
folha por folha e 
capítulo por capítulo;
Como o poeta que escreve aquela estrofe sobre o infortúnio da distância que separa os amantes;

Somos o "eureca!" quando a maçã caiu na cabeça de Newton. 
Somos como o mar de uma praia selvagem e a cidade que não para, 
tensa e aborrecida. 
Com você construo idéias como o escultor desenha num pedaço de pedra amórfico,
Aquilo vira vida!
Transformamo-nos como a lagarta em crisálida e depois em borboleta.

E regamos.
Regamos esta flor como uma criança rega a semente que plantou ansiosa por ver seu primeiro desabrochar.
Não, meu bem, o amor não é egoísta
O amor é pintado de arco-íris, 
Ao passo que fica no céu com os amantes que flutuam,
tamanho o amor que sentem.

Camila Oleski

A FOLHA

O inverno congela, mas o coração continua quente,
 O inverno aproxima.

A folha seca que cai quer chegar ao chão e adubar o solo.
O vento gélido que sopra quer beijar meus cabelos e acariciar meu pescoço nu;
O rio corre ansiando encontrar o mar;
A lágrima que cai quer encontrar a boca que lamenta;

(Ai dos que lamentam...
Pensam que conhecem toda a tristeza do mundo,
querem encontrar casa naquele que consola.
O meu lamento quer encontrar abrigo naquele que ecoa);

As minhas palavras querem encontrar o sentido;
Minhas mãos querem encontrar as suas;
Meu nariz que desvela o aroma perfeito;
O amigo quer encontrar o abraço;
A boca, o intenso laço;
A cabeça preocupada quer amnésia;
A dor quer encontrar alívio;
O adúltero, um álibi...

Desencontro na densa névoa,
carregada de mistério.

A tal folha que caiu não queria encontrar meu parabrisa.

Camila Oleski

A última notícia

A última notícia que tive de mim foi de você  Que me disse que eu havia me perdido  E que achava que eu não podia ir tão longe Mas fui ...