O guarda-chuva

Seu marido sempre foi um homem agressivo, que nunca valorizava seus gostos e suas vontades. Um dia ela achou uma cômoda que tinha sido descartada na lixeira e trouxe para casa. Sua intenção era pintá-la e reformá-la, ficaria bem bonita no quarto.

A mulher tinha diversos objetos que costumava reformar e usar em casa, caixas de feira de madeira, revistas e coisas assim. Tudo isso foi juntado ao longo de anos. O marido odiava tudo e pedia que ela se desfizesse das coisas. Eram sacolas e mais sacolas de congressos que havia frequentado, crachás de identificação que guardava de recordação.

“Jogue isso fora!”, esbravejou o marido.

Ela ficava triste. Passou quase seu casamento inteiro ouvindo que tinha que jogar suas coisas fora, mas não o fazia. Ela sentia que quanto mais juntava, mais se sentia acolhida e amada. No lixo dos outros conseguia entrar na casa das pessoas e conhecê-las bem de perto: o que comiam, o que liam, no que gastavam, seus nomes e até suas doenças. Ela se tornava uma espécie de amiga oculta das pessoas. E assim não precisava lembrar que sua vida era entediante e ordinária.

A mulher tinha guardado há muitos anos um guarda-chuva que sua mãe tinha lhe dado. Era um objeto todo enferrujado e o tecido de flores roxas miúdas estava gasto e furado, aquilo já não era um guarda-chuva fazia tempo. No entanto, era a sua querida mãe materializada num objeto. Amava-o tanto como amava sua falecida genitora.

“Jogue essa tralha desprezível fora, mulher!”, bradou o marido.

Ela olhou para o objeto. Estava catatônica e pensativa. Sentia-se diferente. A fala do marido agora soava como um empurrão e não mais como um zumbido de mosquito no ouvido.

Foi assim, tomada de uma súbita vontade de ser o que é, que ela pegou o guarda-chuva e levou-o até o lixo. Era como se uma faca muito afiada passasse por seu coração, sentiu uma dor e uma vertigem lancinantes e fugazes. Logo após, um alívio enorme. Tinha tirado um peso gigantesco das suas costas.
Aquilo foi o primeiro passo seguido de um frenesi. Jogou as revistas de celebridades sobre as quais ficava horas debruçada. As sacolas dos congressos que frequentou na faculdade e os crachás com seu nome escrito pareciam não lhe pertencer mais. E assim foi: roupas velhas e furadas recolhidas com promessas de reparo, caixotes de feira eram as futuras preciosas prateleiras, os livros sobre contabilidade, achados no lixo do vizinho, tornar-se-iam parte do projeto de uma biblioteca coletiva, Cds, potes de maionese entre tantas outras coisas. Tudo isso foi para o lixo.

Quando viu a lua pendurada no céu, tomou consciência de si. Seu corpo estava inteiramente dolorido como se tivesse sido espancada. Havia jogado fora num único dia uma infinidade de velharias inúteis e sem validade, juntadas durante uma vida inteira. Desabou na cama.

Acordou com o som do lixeiro passando e aquele som, que antes significava que tinha que correr, pois eles eram sua maior concorrência, não tinha mais significado. Renata levantou se sentindo muito mais leve. Foi para a cozinha preparar o café. A casa estava perfeita: vazia, limpa.

Com o café pronto, Renata chamou o marido da cozinha mesmo: “Está pronto o café, venha!”.
Um silêncio sepulcral tomou conta da casa. Não veio ninguém.

Camila Oleski

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