A poça

Raul era um homem de quase trinta anos que gostava de aventuras. Já havia saltado de paraquedas inúmeras vezes, mergulhado com tubarões, voado de balão, escalado o Kilimanjaro. Outra coisa que gostava de fazer era andar de moto correndo pelas estradinhas mal capeadas e de terra. Gostava de sentir o ar puro invadindo seus pulmões sem que precisasse respirar.
Numa tarde, corria com sua moto numa estrada vicinal. Chovia muito. Viu um alagado que formava uma poça imensa. Decidiu passar pelo meio, já que não havia outro espaço na estrada. Foi bem pelo meio, de modo que espirrou os jatos de água suja barrenta para os lados.
Lá pelo meio da pequena lagoa, sentiu-se sem chão. Mas seu estranhamento diante dessa nova sensação não foi suficiente para tirá-lo daquela situação. Afundou. Sua moto e seu corpo iam ficando submersos num cerco de água. Raul viu seu corpo indo cada vez mais fundo na poça que tinha infinitos metros de profundidade. Estava completamente atônito com o que estava acontecendo.
Depois de tanto afundar sem achar o chão, percebeu que não havia outra escapatória a não ser nadar. Deu grandes braçadas até cansar. Nadou mais e cansou. Queria ver o fim daquele labirinto de águas e, claro, queria se salvar. Continuou. Foi apenas depois horas nadando que conseguiu sair. Já completamente exaurido. Sua moto havia se perdido no fundo da maldita poça. Raul chegou ao oceano e viu a praia. Quase desmaiando, chegou até ela.

Camila Oleski

Poema do não-dito

A fala transforma quando cala,
Quando vem do silêncio.
A fala que nunca tinha sido dita
É a concretude do sentimento.
Procuro romper silêncios:
A batalha sórdida por algo que faça sentido.

Atravesso a escuridão do inaudível.
Meto-me nesta trilha obscura, fatigante e longa.
É uma floresta escura, cujos barulhos desconhecidos ganham em meus sonhos a força de um dragão.
Olho ao redor e acho densa a vegetação.
Quero achar um enunciado para meu não-dito,
Mas aquele dragão ateia fogo em minhas costas e as fazem fritar.
Apesar da dor, acostumo-me...
Devaneios tomam conta dos meus pensamentos mais racionais como se minha cabeça buscasse por saídas menos doloridas para traduzir a realidade.


Eu sou a flor com espinhos e a floresta é a minha casa.

Labirinto Obsceno

  Estava praticamente impossível achar a saída daquele labirinto escuro, insólito e obsceno. Vi-me desnorteado e sem escapatória. Minhas mãos tateavam em volta na tentativa de traçar um caminho em meio ao emaranhado. Minha boca, aberta, tentava buscar ar sem sucesso num abismo hermeticamente entrelaçado. Resfoleguei. Quase sufoquei. 
  Finalmente vi uma luz e corri até ela. Senti um alento imenso. Até que enfim achei a saída. Com as mãos, joguei para o lado os tufos de cabelo dela. Respirei como num reflexo de quem acabou de passar por uma experiência de quase morte. Senti sua fragrância que me fez lembrar o motivo de eu estar ali. Achei o seu pescoço. Comecei a beijá-lo com volúpia. Os corpos se entrelaçaram, os suores e salivas se misturaram. Por fim, ouvi o gemido da sua voz. Agora um pouco mais agudo e estridente. Em seguida veio o meu um tanto tímido e moribundo.


  No dia seguinte, a manchete que chamava atenção da população no caderno policial do jornal local dizia: “Jovem morre asfixiado no cabelo da amante.”

Camila Oleski

A última notícia

A última notícia que tive de mim foi de você  Que me disse que eu havia me perdido  E que achava que eu não podia ir tão longe Mas fui ...